segunda-feira, 14 de julho de 2014

Entrevista a Pedro Garcia Rosado no Nós Aqui

Entrevista na íntegra:

Conhecido como o mestre do thriller português, Pedro Garcia Rosado é uma autor em ascensão. Quem conhece a sua escrita sabe que alia a ficção a questões sociais e políticas como a corrupção, abuso de poder e a máfia de leste. O seu último livro, "Morte nas Trevas", é disso exemplo.


Maria Manuel (MM)- Autor das séries "O Estado do crime", "Não Matarás" e "As Investigações de Gabriel Ponte", Pedro Garcia Rosado sempre escreveu policiais. Nunca sentiu vontade em mudar de registo?
Pedro Garcia Rosado (PGR) - Já, mais recentemente. Tenho em projecto uma história de jornais e jornalistas que gostaria um dia de escrever. Conheço bem os jornais por dentro e por fora (trabalhei como jornalista mais de vinte anos) e fui articulando recordações e acontecimentos que poderiam dar um bom romance.
A minha opção pelo “thriller” teve a ver com o meu gosto e o meu interesse pelo género que, mais na televisão e na literatura do que no cinema, se tem sabido renovar ao longo dos anos, ao contrário de outros géneros literários.
Esta capacidade de renovação e de reinvenção e o facto de estar a trabalhar agora com personagens fixas (Gabriel Ponte ou Ulianov, por exemplo) ainda me puxa para o “thriller”. E há histórias ainda por contar. Os outros projectos vão ter de esperar mais um pouco.


MM- Baseou-se em alguém para criar as suas personagens Gabriel Ponte e Joel Franco, protagonistas de duas das séries?
PGR - Não. Posso inspirar-me em pessoas reais para compor algumas personagens mas Gabriel Ponte, Joel Ponte, ou mesmo Ulianov, têm de ter a sua própria individualidade como personagens ficcionais. Podem reter traços de pessoas que eu conheça mas não podem estar colados à realidade ou serem ecos de pessoas já existentes. 
Em termos de criatividade e de literatura ficcional isso seria uma perversão.


MM - Quais são os seus escritores de referência na área policial?
PGR - Gosto muito de Lee Child mas senti-me atraiçoado pela captura da personagem de Jack Reacher por um actor que tem cerca de meio metro a menos do que Reacher. John Le Carré é uma referência imprescindível tal como Ruth Rendell, cuja escrita acho admirável. Carl Hiaasen, desconhecido em Portugal, sabe contar uma boa história e tem um fantástico sentido de humor. Karin Slaughter (uma excelente aposta da Topseller em Portugal) é uma escritora muito criativa e tem uma obra notável. Já gostei mais de Harlan Coben, que está agora a repetir alguns tiques e que é muito melhor na série com Myron Bolitar. E também gosto muito de John Grisham, James Elroy e do falecido Elmore Leonard.


MM - Depois de "Morte nas Trevas", publicado no mês passado, já está a trabalhar noutro livro? É seguimento do anterior?
PGR - Ainda não. Inclino-me mais, nesta altura, para a necessidade de fixar melhor a personagem de Ulianov, de conhecer melhor as suas peripécias na antiga União Soviética (como oficial do KGB e, depois, dos spetsnaz). Esta personagem já entrou em três livros meus (“Ulianov e o Diabo”, “Vermelho da Cor do Sangue” e agora “Morte nas Trevas”) e irá em princípio assumir maior protagonismo no futuro. Convirá por isso conhecê-lo melhor.

MM - Nos seus thrillers quase sempre aparece um escândalo de corrupção, abusos de poder... Até que ponto é importante para si falar desses temas?
PGR - Uma das vertentes mais importantes deste género é a possibilidade que tem de abordar um leque muito vasto de questões sociais e políticas, ou porque quer ou porque os melhores autores (na literatura, na cinema e na televisão) souberam sempre compreender e esclarecer o enquadramento social, económico e político dos comportamentos criminosos que trazem para a ficção. Eu identifico-me com essa perspectiva social do “thriller”, sem a considerar obrigatória.
Por isso, e por querer ligar as minhas histórias à realidade nacional, tenho abordado esses e outros temas, tanto numa perspectiva genérica como numa perspectiva muito específica, como foi o caso do “processo Casa Pia”, em que me inspirei para escrever “O Clube de Macau” (que me parece ser o único romance policial sobre esse tema).

MM - Os livros anteriores, pertencentes ao "Estado do Crime" e o independente "A Guerra do Gil" são raridades difíceis de encontrar. Não sente vontade de os reeditar?
PGR - Não tenho pensado nisso, até por considerar que uma reedição poderia exigir um trabalho de reescrita que acabaria por alterar a história original. Em geral, não gosto muito de regressar a textos que já escrevi porque desejaria sempre fazer melhor, mesmo que não fosse necessário.

MM - Também é tradutor. Qual o livro que lhe deu mais gozo traduzir?
PGR - Da meia centena que já traduzi desde 2007, penso que os que mais me entusiasmaram foram “Cornos” (“Horns”), de Joe Hill, para a colecção 1001 Mundos na sua época áurea, “Tríptico”, de Karin Slaughter, e o primeiro volume de “A História dos Judeus”, de Simon Schama (Temas e Debates). Os dois primeiros são prodígios ficcionais e o segundo é um o livro de História que todos os livros de História deviam ser.

MM - Sabemos que viver da escrita em Portugal é muito difícil e um privilégio só para alguns. Mas gostava de viver apenas da escrita?
PGR - Julgo que não. Embora seja desejável a profissionalização dos escritores, coisa que é muito difícil num mercado pequeno e limitado como o português, há o risco de ela não estimular a criatividade. Há sempre autores que vão vivendo dos leitores que compram tudo o que eles publicam, da fama de outros tempos e de reedições de antigos êxitos quando já não conseguem fazer mais nada ou se esgotaram. A criatividade e a imaginação não duram sempre.

MM - Para quem não conhece Pedro Garcia Rosado, qual o livro que recomendaria para quem quer conhecer a sua obra?
PGR - Diria que o próximo, sempre. Mas, retrospectivamente, recomendaria “Ulianov e o Diabo”, porque é a estreia de Ulianov como personagem e de uma outra personagem, o sem-abrigo mutilado na guerra que dá pelo nome de Diabo. E depois “Morte com Vista para o Mar”, que é a estreia de Gabriel Ponte e desta nova série e onde estão alguns dos meus temas mais permanentes.

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