quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Florbela, Apeles e Eu - Vicente Alves do Ó [Opinião]

Título: Florbela, Apeles e Eu
Autor: Vicente Alves do Ó
Edição/reimpressão: 2014
Páginas: 288
Editor: Edições Chá das Cinco

Sinopse:
"Eu não sei viver"
Florbela Espanca casa pela terceira vez. É mulher, nora, irmã, filha, amiga. É tudo, menos poeta. Vive entre a realidade de Matosinhos e a ficção de uma outra existência que abandonou no papel. E todos os dias se questiona, todos os dias é real na sua guerra privada entre aquilo que os outros querem e aquilo que ela ambiciona. É neste intervalo mágico e possível que o autor se revela. É neste período entre o casamento com o Doutor Lage e a morte do irmão Apeles que tudo acontece, numa viagem ao mais íntimo poema de uma mulher que viveu fora do corpo, fora do género, acima do chão, rasgando a condição e tentando sempre encontrar uma verdade que nunca chegou. Ou será que chegou? Nesta viagem iniciática, Florbela, Apeles e o autor questionam tudo ou questionam a existência pura do sonho e da vida - como se todos nós fossemos feitos do desejo, da dor e dessa constatação trágica de não saber viver.

A minha opinião:
Como escrever um livro sobre Florbela sem fugir à poesia? É impossível. Desde a primeira página até à última que o autor escreve, como se fosse uma espécie de anjo da guarda de Bela, de um forma tão bonita, pejada de poesia que é impossível não ter adorado este livro.

Florbela, Apeles e Eu conta a história do filme de 2012, Florbela. Adorei o filme e adorei o livro que acaba por ser um seu complemento. Aqui, Vicente Alves do Ó surge como personagem primordial, como que uma espécie de anjo da guarda, que acompanha todos os movimentos de Florbela, quando esta passa pela fase mais complicada da sua vida, uma fase de provação, em que casa pela terceira vez, tem um aborto espontâneo e o seu pilar, o seu irmão querido morre numa trágico acidente, que poderá ter sido um suicídio...

Aqui vemos uma Florbela cansada de viver, sem vontade de escrever o que tão bem escreveu, sem querer colocar as suas mágoas em papel, mas apenas se refugiar em si mesma. Depois de sofrer violência doméstica por parte do seu segundo marido, António, Florbela parte para os braços daquele que seria o seu terceiro marido, o doutor de Matosinhos, Mário Lage. "António deixa de ser o sonho e passava a ser um pesadelo".
 
Pelo que dá a entender no livro, Vicente Alves do Ó, mostra que este não foi um casamento por amor, não por parte de Florbela, que vê em Mário uma espécie de refúgio, de segurança, de uma pura amizade apenas. Mas Mário ama Florbela e acaba por ter de conviver com a introspecção e independência da poetisa que, numa época em que as mulheres ainda eram submissas, era vista de lado e incompreendida pela maioria. 
 
 

Saindo da sua Lisboa, uma cidade cheia de festas, mais evoluídas, Florbela tem de partir para Matosinhos, uma localidade fechada, de pescadores. Florbela sente-se só... Mas não por muito tempo. Recebe uma carta de Apeles e sem dizer nada a Mário parte para Lisboa e vive com ele quatro maravilhosos dias, aqueles que seriam os dias derradeiros da sua existência.

Para quem conhece um pouco a história de Florbela, sabe que esta tem uma paixão enorme pelo seu irmão, três anos mais velho. talvez por terem sido ambos filhos bastardos, ignorados no registo pelo pai, talvez por serem ambos votados à nostalgia, ao drama e à saudade, o certo é que unidos são um ser perfeito.

O autor criou um livro introspectivo, como a própria vida de Florbela o exige, que deixa uma certa nostalgia e tristeza a quem o lê. Um livro que nos vai acompanhando nos dias e que deixa saudade quando termina.

Muito bom. 

Excertos:
"Um corpo que se ausenta do lugar é um corpo que procura um novo corpo." pag. 29
"Nenhuma palavra comporta o tamanho da dor."
"Os olhos nunca envelhecem diante de um mundo sempre novo." pag. 154
"A vida resume-se ao principal. Tudo o resto é ruído." pag. 199
"Somos filhos de todos os sonhos, até daqueles que nunca se realizarão." pag. 207
"A vida nunca acaba, simplesmente passa a existir doutra forma."

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